27 de agosto de 2012
Para darmos os primeiros passos na cosmologia relativista precisamos examinar os seus fundamentos físicos e matemáticos, os quais são, essencialmente, a Teoria da Relatividade Geral (TRG) e o Princípio Cosmológico (PC) — a homogeneidade e isotropia do universo.
Colocado de outra forma, a TRG é a teoria da gravitação de Einstein. Ela pode ser entendida simplificadamente pela afirmação de que “o espaço-tempo diz à matéria como se mover e a matéria diz ao espaço-tempo como se curvar”. Esta é obviamente uma afirmação incompleta pois não só a matéria curva o espaço-tempo mas também toda forma de energia.
As equações de Einstein da TRG podem ser expressas de forma qualitativa como:
Einstein utiliza o formalismo tensorial para expressar as suas equações de campo, sendo assim, a TRG é uma teoria tensorial. A propósito, o matemático alemão Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826-1866) foi um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento do cálculo tensorial, tendo importância enorme para a formulação da TRG. Mas, o que é um tensor? Um tensor é uma entidade matemática que possui em cada ponto do espaço nm componentes, onde n é o número de dimensões do espaço e m é a ordem do tensor. Desta forma, podemos dizer que o escalar é um tensor de ordem 0 — portanto, tem 1 componente — e o vetor é um tensor de ordem 1 — tem n componentes. Os tensores utilizados na TRG são tensores de ordem m=0,1 e 2 e o “espaço” é o espaço-tempo de n=4 dimensões (três coordenadas espaciais e uma coordenada temporal). Assim, os tensores de segunda ordem da TRG têm, em princípio, 42=16 componentes. Dizemos “em princípio” porque os problemas físicos reais impõem restrições de simetria que reduzem para 10 as componentes realmente necessárias. Os tensores de primeira ordem são os vetores da TRG, chamados de quadrivetores e possuem 4 componentes.
Não falamos, na TRG, em “ação à distância”; um corpo de prova não “sente” diretamente as fontes de matéria e energia, mas sim o campo, i.e., a métrica — a geometria — que estas fontes geram em sua vizinhança. O campo de métrica transmite as perturbações na geometria (ondas gravitacionais) na velocidade da luz, uma situação análoga ao que ocorre no eletromagnetismo. O campo da métrica é o análogo ao campo gravitacional na teoria newtoniana, mas é um tensor de ordem 2.
A parte de matéria e energia das equações de Einstein é dada pelo tensor de energia-momento. Este é o tensor que descreve a atividade energética no espaço. O tensor de energia-momento fornece quantitativamente as densidades e os fluxos de energia e momento gerados pelas fontes presentes no espaço e que determinarão a geometria do espaço-tempo. As componentes do tensor de energia-momento são as seguintes: a densidade de matéria e energia, os fluxos de energia (i.e., as energias por unidade de área, por unidade de tempo), as densidades das componentes do momento, e os fluxos das componentes do momento, que são pressões e tensões de cisalhamento. Note que “fluxo do momento” é o mesmo que “força por área”.
O enorme sucesso da gravitação de Newton nos fenômenos clássicos — campos gravitacionais fracos e velocidades muito menores do que a velocidade da luz — torna quase obrigatório que qualquer nova teoria de gravitação se reduza, nestes limites, à lei do inverso do quadrado newtoniana. Além da redução aos limites newtonianos, Einstein utilizou também, para a postulação das equações de campo, os critérios de simplicidade e de intuição física. Após a satisfação destes critérios e da redução aos limites clássicos, a validade das equações formuladas deve, naturalmente, ser verificada pela experiência.
A TRG é expressa em duas formulações: as equações para o vácuo e as equações completas, na presença da matéria e radiação. As equações da TRG no vácuo são em grande maneira — e até certo ponto, paradoxalmente, por não serem as equações completas — as grandes responsáveis pelo prestígio extraordinário de que goza a TRG. As equações no vácuo são aquelas válidas para o campo da métrica no vácuo, como, por exemplo, o campo em torno do Sol, para o qual a densidade de matéria ρ=0. Einstein propôs as equações da TRG para o vácuo em 1915, e em 1916 o astrônomo e físico alemão Karl Schwarzschild (1873-1916) obteve a primeira e a mais importante solução exata das equações de campo do vácuo, conhecida como a métrica de Schwarzschild. Esta solução aplica-se, por exemplo, ao movimento planetário com grande sucesso, conseguindo a explicação correta para o fenômeno da precessão da órbita de Mercúrio — o que não era conseguido pela gravitação newtoniana — e prevendo novos fenômenos, entre eles, a deflexão de um raio de luz ao passar nas proximidades de uma concentração de matéria. Estes, e outros testes, foram realizados com grande sucesso experimental e são eles os responsáveis pela aceitação quase unânime da TRG pela comunidade científica. A métrica de Schwarzschild é ainda responsável pela discussão, atual e controversa, de fenômenos como a radiação gravitacional e os buracos negros.
Não são estas, no entanto, as equações de campo que levarão aos modelos modernos da cosmologia relativista. As equações de campo apropriadas necessitam da presença de fontes de matéria e de radiação para serem propriamente aplicadas ao universo. Estas equações de campo, as chamadas completas, ainda não tiveram confirmação experimental definitiva.
Devemos notar ainda que p representa a pressão da radiação e da matéria, e, da mesma forma, ρ deve ser dividida numa parte da radiação e numa parte da matéria. A pressão da radiação só será significativa nos estágios iniciais dos modelos em expansão — um gás de fótons a alta temperatura com p = 1/3ρc2. A pressão da matéria, a qual só aparece em estágios posteriores, é desprezível. Um fluido perfeito de matéria com pressão nula é muitas vezes chamado, tecnicamente, de poeira. Esta poeira permanece em repouso, no substrato espacial, já que qualquer movimento aleatório constituiria uma pressão. Os movimentos globais de expansão ou contração não são excluídos, no entanto.
O físico, meteorologista e cosmólogo russo Aleksandr Aleksandrovich Friedmann (1888-1925) foi o responsável pela próxima grande contribuição para a cosmologia relativista. Em 1922, ele publicou um artigo, numa prestigiosa revista científica alemã, com o título “Sobre a curvatura do espaço”, onde ele resolve as equações de campo completas de Einstein, com as hipóteses de homogeneidade e isotropia do universo — o que posteriormente ficaria conhecido como “Princípio Cosmológico” — e obtém um modelo de curvatura espacial positiva (espaço esférico) com fases de expansão e de contração. Posteriormente, reconheceu-se que este era apenas uma das possibilidades de universos dinâmicos — um universo fechado oscilante — entre outras, quais sejam, os universos abertos: o de curvatura negativa, espaço hiperbólico e o de curvatura nula, espaço plano ou euclidiano. O trabalho de Friedmann só foi reconhecido pela comunidade científica muito tempo depois de sua publicação. Em sua homenagem, os modelos cosmológicos, sem Λ, receberam o nome de modelos ou universos de Friedmann.
Finalizando, é muito importante lembrar que os grandes e decisivos testes da TRG são feitos para uma solução das equações de campo de Einstein no vácuo, isto é, na ausência de fontes de energia e momento. Esta solução tem inúmeras aplicações práticas e é dada pela métrica de Schwarzschild. As soluções mais conhecidas das equações de campo completas são exatamente os modelos da cosmologia relativista, válidas para um fluido homogêneo e isotrópico, e elas falham quando confrontadas com as observações. Os modelos relativistas só sobrevivem quando são postuladas as existências de entidades físicas não observadas, tais como, a matéria escura e a energia escura.
Este artigo é uma versão reduzida de um texto mais completo, o qual inclui as
referências bibliográficas relevantes e o formulário tensorial básico da TRG. O
leitor interessado está convidado a ler o artigo completo intitulado
Os
fundamentos físico-matemáticos da cosmologia relativista.